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Bem-estar animal

O bem-estar animal é uma área relativamente recente da ciência animal e também no conceito das tratativas da relação homem-animal. O bem-estar animal é uma ciência multidisciplinar que engloba tanto questões éticas e filosóficas no tratamento dos animais pelos homens, como disciplinas de comportamento animal, fisiologia animal, ecologia, medicina veterinária, etc.

As primeiras ideias do conceito de bem-estar animal surgiram no centro da indústria de alimentos e da indústria de farmacêutica. Animais de produção participam da base da indústria de alimentos, e quando tiveram seus modos de produção e criação expostos ao público, em especial no pós segunda guerra mundial, questionamentos sob a forma de tratamento aplicado a esses animais começaram a surgir, causando grande impacto nas imagens públicas das empresas. A indústria farmacêutica e de cosmético foram ainda mais questionadas na forma de condução de pesquisa com animais, sendo acusadas constantemente de abusos cruéis. Até que na década de 70, empresas como Avon tiveram vídeos de seus laboratórios de pesquisa com animais vazados para o público, causando grande onda de protestos e boicotes aos seus produtos. Muitos países pararam de importar alimentos de origem animal produzidos em lugares sem o mínimo de aplicação de bem-estar animal.

Muitas dessas empresas e a própria sociedade como um todo, objetivando melhorar eticamente essa relação, aprofundaram estudos no comportamento e fisiologia desses animais e conseguiram resultados produtivos satisfatórios corrigindo manejos. Esse casamento entre produtividade e adoção de valores éticos aceitáveis na produção animal fortaleceu a ciência do bem-estar animal.

O bem-estar animal pode ser utilizado como uma ferramenta tanto para avaliar o nível de bem-estar como para propor melhorias. A avaliação de bem-estar segue uma escala de gradação na avaliação do sistema produtivo ou do animal sozinho, indo de baixo bem-estar animal (situação de praticamente maus-tratos), passando por bem-estar satisfatório (onde o animal tem sua saúde assegurada e liberdade para expressão de seus comportamentos naturais) e indo até bem-estar excelente (onde além da saúde e livre expressão comportamental são adotadas técnicas ainda mais refinadas de melhorias como enriquecimento ambiental).

 

  • Objetivando nortear a avaliação de bem-estar foi proposto o conceito das 5 liberdades, que seguem abaixo:

 

1. Estar livre de fome e sede

Os animais devem ter acesso a água e alimento adequados para manter sua saúde e vigor.

 

2. Estar livre de desconforto

O ambiente em que eles vivem deve ser adequado a cada espécie, com condições de abrigo e descanso adequados.

 

3. Estar livre de dor doença e injúria

Os responsáveis pela criação devem garantir prevenção, rápido diagnóstico e tratamento adequado aos animais.

 

4. Ter liberdade para expressar os comportamentos naturais da espécie

Os animais devem ter a liberdade para se comportar naturalmente, o que exige espaço suficiente, instalações adequadas e a companhia da sua própria espécie.

 

5. Estar livre de medo e de estresse

Não é só o sofrimento físico que precisa ser evitado. Os animais também não devem ser submetidos a condições que os levem ao sofrimento mental, para que não fiquem assustados ou estressados, por exemplo.

 

Acompanhando os movimentos ligados ao bem-estar animal, surgem importantes estudos sobre o reconhecimento da senciência nos mamíferos, capacidade de sentir e ter consciência do sentimento, provando que os mesmos são capazes de terem dor e vivenciar a experiência de sofrimento, aumentando ainda mais as discussões sobre bem-estar animal.

A aplicação de técnicas corretivas de bem-estar animal não só vem atender como uma resposta efetiva ao debate filosófico como tem resultados nos índices produtivos. No mundo todo, por exemplo, zoológicos que adotam protocolos refinados de bem-estar animal possuem melhores índices de criação de seu plantel em cativeiro. Credita-se isso ao menor nível de estresse nesses animais.

É muito importante que condutores de cães de trabalho e responsáveis por serviços de cães de trabalho se atentem aos novos paradigmas. Nestes novos tempos, todos que trabalham com animais serão questionados em relações a suas condutas perante a opinião pública, corpos técnicos, meio jurídico, imprensa, etc. Utilizar a ciência do bem-estar para avaliar o seu canil ou modo de trabalho e aplicar técnicas de melhorias serão imperativas para evitar questionamentos desagradáveis e melhorar a performance do seu trabalho. Cães felizes trabalham melhor, assim como pessoas felizes trabalham mais motivadas. 

 

O Conselho Federal de Medicina Veterinária publicou em 26 de outubro de 2018 a Resolução Técnica de número Nº 1236, que caracteriza e conceitua o maus-tratos a animais em seu artigo 5º.

Art. 5º Consideram-se maus tratos:

I – executar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os devidos cuidados anestésicos, analgésicos e higiênico-sanitários, tecnicamente recomendados;

II – permitir ou autorizar a realização de procedimentos anestésicos, analgésicos, invasivos, cirúrgicos ou injuriantes por pessoa sem qualificação técnica profissional;

III – agredir fisicamente ou agir para causar dor, sofrimento ou dano ao animal;

IV – abandonar animais; deixar o tutor ou responsável de buscar assistência medico-veterinária ou zootécnica quando necessária;

V – deixar de orientar o tutor ou responsável a buscar assistência médico veterinária ou zootécnica quando necessária;

VI – não adotar medidas atenuantes a animais que estão em situação de clausura junto com outros da mesma espécie, ou de espécies diferentes, que o aterrorizem ou o agridam fisicamente;

VII – deixar de adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento para animais em situação de clausura isolada ou coletiva, inclusive nas situações transitórias de transporte, comercialização e exibição, enquanto responsável técnico ou equivalente;

VIII – manter animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura compatíveis com as suas necessidades e em local desprovido de ventilação e luminosidade adequadas, exceto por recomendação de médico veterinário ou zootecnista, respeitadas as respectivas áreas de atuação, observando-se critérios técnicos, princípios éticos e as normas vigentes para situações transitórias específicas como transporte e comercialização;

IX – manter animais de forma que não lhes permita acesso a abrigo contra intempéries, salvo condição natural que se sujeitaria;

X – manter animais em número acima da capacidade de provimento de cuidados para assegurar boas condições de saúde e de bem-estar animal, exceto nas situações transitórias de transporte e comercialização;

XI – manter animal em local desprovido das condições mínimas de higiene e asseio;

XII – impedir a movimentação ou o descanso de animais;

XIII – manter animais em condições ambientais de modo a propiciar a proliferação de microrganismos nocivos;

XIV – submeter ou obrigar animal a atividades excessivas, que ameacem sua condição física e/ou psicológica, para dele obter esforços ou comportamentos que não se observariam senão sob coerção;

XV – submeter animal, observada espécie, a trabalho ou a esforço físico por mais de quatro horas ininterruptas sem que lhe sejam oferecidos água, alimento e descanso;

XVI – utilizar animal enfermo, cego, extenuado, sem proteção apropriada ou em condições fisiológicas inadequadas para realização de serviços;

XVII – transportar animal em desrespeito às recomendações técnicas de órgãos competentes de trânsito, ambiental ou de saúde animal ou em condições que causem sofrimento, dor e/ou lesões físicas;

XVIII – adotar métodos não aprovados por autoridade competente ou sem embasamento técnico-científico para o abate de animais;

XIX – mutilar animais, exceto quando houver indicação clínico-cirúrgica veterinária ou zootécnica;

XX – executar medidas de depopulacão por métodos não aprovados pelos órgãos ou entidades oficiais, como utilizar afogamento ou outras formas cruéis;

XXI – induzir a morte de animal utilizando método não aprovado ou não recomendado pelos órgãos ou entidades oficiais e sem profissional devidamente habilitado;

XXII – utilizar de métodos punitivos, baseados em dor ou sofrimento com a finalidade de treinamento, exibição ou entretenimento;

XXIII – utilizar agentes ou equipamentos que inflijam dor ou sofrimento com o intuito de induzir comportamentos desejados durante práticas esportivas, de entretenimento e de atividade laborativa, incluindo apresentações e eventos similares, exceto quando em situações de risco de morte para pessoas e/ou animais ou tolerados enquanto estas práticas forem legalmente permitidas;

XXIV – submeter animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor, estresse e/ ou sofrimento;

XXV – fazer uso e/ou permitir o uso de agentes químicos e/ou físicos para inibir a dor ou que possibilitam modificar o desempenho fisiológico para fins de participação em competição, exposições, entretenimento e/ou atividades laborativas.

XXVI – utilizar alimentação forçada, exceto quando para fins de tratamento prescrito por médico veterinário;

XXVII – estimular, manter, criar, incentivar, utilizar animais da mesma espécie ou de espécies diferentes em lutas;

XXVIII – estimular, manter, criar, incentivar, adestrar, utilizar animais para a prática de abuso sexual;

XXIX – realizar ou incentivar acasalamentos que tenham elevado risco de problemas congênitos e que afetem a saúde da prole e/ou progenitora, ou que perpetuem problemas de saúde pré-existentes dos progenitores.

        

         Atente-se que qualquer pessoa que utilize cães de trabalho e não realizam um manejo adequado podem facilmente incorrer, sem intenção, em diversos incisos da resolução sobre maus-tratos, como por exemplo os incisos IV, VII, VIII, XI, e em especial os incisos; XIV, XV, XVI e XVII.

 

Escrito pelos Médicos Veterinários Membros do Projeto K9:

Luis Galvão Peres

João Henrique de Oliveira Machado